Cultura: o impacto da Covid-19 num dos setores em crise

Segundo a Unesco (a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) as consequências económicas da crise que a Covid 19 está a criar estão a afetar o setor da cultura de forma mais severa do que se esperava. A agência da ONU analisou as medidas de vários governos para socorrer o setor em vários países.

Apurou-se que nos primeiros 6 meses de confinamento social a área da produção musical pode ter perdido mais de 10 biliões de patrocínios e apoios institucionais. O impacto que a Covid-19 está a deixar nas bilheteiras mundiais está a ter repercussões em todo o mundo, e não pára de crescer a lista de eventos culturais a serem adiados ou cancelados. Concertos, lançamentos de filmes, exposições e peças de teatro são alguns dos eventos que fazem parte da agenda cultural atualmente estagnada. Estes cancelamentos podem parecer pequenos relativamente à realidade atual, no entanto, este impacto é mais significativo do que o minimamente aceitável. O escalar de cancelamentos e adiamentos resultam em prejuízos enormes, danos materiais por salas de espetáculo fechadas e acima de tudo artistas, técnicos e todos os intervenientes da indústria parados.

Apesar de alguns beneficiarem de apoio público, muitos outros, como empresas ou profissionais independentes, registam insuficiência orçamental, dentro de um setor que, tanto no imediato como no contexto pós-pandemia, irá precisar de apoios para se erguer.

Face à indústria da cultura ter sido uma das primeiras a ser atingida pela pandemia, vários foram os governos e organizações que se uniram para avaliar e ajudar a contornar as perturbações do respetivo impacto. No entanto, alguns desses danos, infligidos pelo novo coronavírus, são difíceis de quantificar, identificar e avaliar daí a importância que tem uma intervenção urgente por parte das entidades responsáveis e competentes.

Devido à gravidade da realidade que se estabelece o DD irá expôr o impacto que esta pandemia está a ter no dia a dia dos ranchos folclóricos da região para ficarmos a saber a forma como têm tentado superar este contexto no último ano.

Rancho Folclórico de Alvarenga

O Rancho Folclórico de Santa Cruz de Alvarenga tem o apoio da Junta de freguesia de Alvarenga e a Câmara Municipal de Arouca com a atribuição de um subsídio anual para fazer face a despesas de atividade. Claro que os valores são insuficientes para a sobrevivência do grupo. Há necessidade de realizar atividades, nomeadamente, a participação em festas e romarias para aumentar a receita e equilibrar as contas da coletividade. Por outro lado, temos sempre a preocupação de ajustar as nossas atividades e aceitar os convites à realidade das nossas possibilidades económicas. Há convites e desafios que gostaríamos de aceitar mas que ultrapassam a nossa capacidade económica.”, realça Helena Rodrigues Presidente do grupo.

Relativamente à média de atuações por mês antes da pandemia a mesma afirma que variavam entre 1 ou 2 nos meses de Inverno e 7 ou 8 nos meses de Verão. Destaca que a última atuação foi no V Encontro de Janeiras em Alvarenga, no dia 26 de janeiro de 2020. No que respeita ao raio geográfico das atuações Helena afirma que, normalmente, participavam, antes da pandemia, em festas e romarias no distrito de Aveiro, Viseu e Porto, pois quando a distância era grande, não compensa monetariamente. “No que diz respeito à participação em Festivais de Folclore, não há compensação monetária, trata-se de uma permuta entre grupos para atuação nos respetivos festivais de folclore, em que cada grupo assume as suas despesas de deslocação. Por esse motivo temos o cuidado de selecionar um grupo de uma zona mais distante e os restantes de zonas diferentes, mas mais próximas da nossa.”

Helena Rodrigues destaca que na altura do primeiro confinamento, ou seja, em março do ano passado, o grupo de Alvarenga já tinha a sua época organizada e foi com um sentimento de grande desilusão e tristeza que encararam a situação. Confessa que a nível de atividades, neste momento, estão totalmente parados, mas que continuam a partilhar vídeos nas redes sociais para “matarem saudades”.” Entretanto, temos aproveitado o tempo para fazer recolhas, recolher informações e estudar sobre tempos antigos, músicas, danças, trajes para que possamos ir melhorando e tornando cada vez mais rico e fidedigno o nosso folclore e as nossas apresentações.”

No que respeita à importância que a cultura tem para o grupo, a Presidente realça que a cultura sendo, uma construção social, é fundamental para fortalecer a identidade pessoal e social dos indivíduos e o seu bem-estar. A seu ver a cultura permite ao individuo vivenciar o prazer de ser, de fazer, de pertencer e de preservar a sua singularidade. “A cultura enriquece-nos como indivíduos, abre horizontes… No nosso caso, como rancho folclórico que somos, são as nossas raízes, os usos e costumes dos nossos antepassados que tentamos retratar e, acima de tudo, não deixar esquecer. É toda uma identidade cultural que tentamos dar a conhecer e incutir na identidade pessoal dos nossos elementos. É um sentimento de pertença a um grupo, a uma cultura.”

Helena Rodrigues deduziu relativamente aos apoios que o estado está a facultar à cultura e a quem a pratica que estes ficam sempre além do esperado, e que se não fosse a boa vontade e o esforço de alguns os grupos folclóricos já tinham terminado. Sublinha que se para eles enquanto grupo a situação não está fácil, para quem tem estas atividades como meio de subsistência e profissão mais difícil se torna. “É imperativo que o estado social se assuma como tal e dê resposta a todas essas situações, garantindo que todos os profissionais ligados a esta área tenham os apoios necessários e que estes projetos e atividades tenham continuidade num futuro próximo. Trata-se da defesa do património cultural nacional nas suas mais diversas formas”

Após um ano de afastamento do palco, a Presidente reafirma que todos os elementos sentem falta do contacto, da convivência, da partilha, do encontro e da alegria que tinham ao dançar e cantar. Admite que o seu equilíbrio pessoal passa pelo cruzamento de várias situações do quotidiano e que aqueles momentos de dança traziam bem estar e responsabilidade para trabalhar e alcançar objetivos.

Apesar de acreditar que vão recomeçar cheios de garra e vontade de recuperar o tempo perdido, Helena desabafa com tristeza que muitos elementos podem não voltar mais devido ao isolamento, perda de ritmo e afastamento.

“Estamos a passar tempos difíceis, tempos em que nós próprios, enquanto indivíduos, nos estamos a reconstruir. Os tempos mudaram, as formas de nos relacionarmos mudaram mas não podemos permitir que tudo isto seja uma rutura de relações. Somos seres sociais, crescemos e evoluímos estando em contacto com o outro. Não deixemos perder tudo o que Mundo tem de bonito, o Ser Humano relacional. Pedir para não desistirem e para procurarem sempre recriar formas de interagirem, de se comunicarem. Hoje em dia, tendo em conta a evolução tecnológica, podemos diminuir distâncias. Sabemos que não é a mesma coisa mas é uma forma de não deixarmos “morrer” amizades, convívios. O Rancho é isso, é fruto de relações, de amizades, de companheirismo, do trabalho em prol de um bem e objetivo comum. É uma segunda família. Ele sobrevive da entrega de todos os elementos e para isso… Precisamos de continuar a cultivar relações!”, remata Helena Rodrigues deixando esta mensagem a todos os leitores.

Rancho Folclórico de Castelo de Paiva

Margarida Joana presidente do Rancho de Castelo de Paiva iniciou o testemunho afirmando que o grupo que preside nunca teve o apoio do governo, sempre se sustentou com as cotas dos sócios, apoios da Junta de Freguesia e da Câmara Municipal de Castelo de Paiva.

Antes de a pandemia começar estavam a ter uma média de 10 a 12 atuações por ano e eram atuações que se espalhavam por todo o país. Margarida reforça a tristeza que o grupo sentiu ao terem de confinar, visto que, “além de oito saídas previstas no país, tínhamos também uma saída para o norte de Espanha (Corunha), e norte de França (Limoges). Devido a esta pandemia todas as saídas ficaram sem efeito.”

A única atividade que o grupo mantem ativa, no momento, é a recolha de novos trajes para quando voltarem ao ativo. A presidente reafirmou ainda que continuam nesta “luta”, porque consideram que é preciso manter a cultura, que no fundo é o que faz com que as tradições não morram assim como a identidade de um povo.

“Nós sentimos falta da união, da convivência, pois a falta delas está a repercutir-se na saúde física e mental de todo o grupo. Depois de todo este tempo vai ser difícil conseguir unir o grupo todo, talvez isso só se consiga a 25%.”, realçou Margarida em tom de tristeza.

Terminou o testemunho apelando à união e força, e que todos valorizem a cultura e o Folclore.

Atuação do Rancho Fólclórico de Castelo de Paiva
V Encontro de Janeiras-última atuação do Rancho Folclórico de Alvarenga
sobre o autor
Ana Isabel Castro
Discurso Direto
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