Brexit, essa quimera

Por: Miguel Brandão

Cecil John Rhodes, o excêntrico empresário oitocentista, resumiu o espírito inglês da seguinte forma:

«Nascer inglês é ganhar o primeiro prémio na lotaria da vida»

Esta frase, ainda que conhecida por poucos, resume bem o ethos ânglico. Os britânicos, em particular os ingleses, estão convencidos (ainda que não o digam) que são o povo mais genial do mundo. Os insulares estão convictos de que tudo o que de melhor se criou foi concebido ou melhorado em Inglaterra. Não há dúvidas que o seu sentido de superioridade é apurado. Toda gente sabe que quando há nevoeiro no canal da Mancha, o continente europeu fica isolado.

O aspeto mais interessante da superioridade inglesa, não é a sua altivez idiossincrática; é o modo como o seu perfume civilizacional convenceu toda a gente que o povo inglês esteve sempre do lado certo da história. No rescaldo do Brexit, em 2016, havia uma certa admiração pela «ousadia» dos britânicos; dava a sensação que o berço da democracia, do parlamentarismo, e do liberalismo se despegava do leviatã burocrático que é a União Europeia. Em Portugal, a questão não foi analisada com racionalidade, mas sim com emotividade. O nosso provincianismo e complexo de inferioridade contribuíram para a assimilação da ideia de que «os ingleses é que estavam a ser espertos». Por outro lado, achou-se que os britânicos, tal como os ratos, eram os primeiros a abandonar o barco que se estava a afundar: a União Europeia. No fundo, a pérfida Albion a ser a pérfida Albion.

Em 2022, percebemos que os britânicos são, e conseguem ser, erráticos como toda a gente. Crentes do seu génio inigualável, os britânicos, paladinos da liberdade e do individualismo, acreditaram que o seu reino podia vitalizar-se sem uma íntima cooperação com os seus parceiros continentais. Insuflados pelo onirismo do seu lastro imperial e pelo velho espírito churchilliano, os insulares deixaram-se levar pelo mar de mentiras propalado pelos brexiteers. A Singapura à beira do Tamisa; o ressurgimento da vida portuária nacional; o adensamento dos circuitos comerciais; a reindustrialização da Red Wall; e a reposição da dignidade das classes operárias alienadas pela globalização, não passam de ideias vagas sem qualquer capacidade de realização a curto prazo.

Neste momento, nas altas esferas das políticas britânicas, há um pacto de silêncio em torno do Brexit. A libra atinge mínimos históricos; a inflação dispara; a dívida britânica cresce vertiginosamente; os serviços públicos estão cada vez mais depauperados; e o setor terciário, emaranhado pela burocracia do pós-Brexit, está a perder a sua clientela europeia. Nestas circunstâncias, não é de admirar que o Reino Unido seja a economia do G7 que menos cresce. Com base nos principais indicadores económicos, é já possível dizer que, de um modo geral, o Brexit não está a correr nada bem.

Os tories culpam a pandemia e a guerra russo-ucraniana, mas em bom rigor, o desastre económico britânico deve-se, em grande medida, ao Brexit: um projeto de «autodeterminação» artificialmente concebido por um punhado de etonians. Em Bruxelas preparam-se as pipocas, e em Londres o orgulho britânico dissipasse à medida que o Reino Unido se torna a nova Itália. Será interessante verificar quanto tempo durará o goodbye de Nigel Farage.

sobre o autor
Ana Isabel Castro
Discurso Direto
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