Livro de poesia de Cátia Cardoso, apresentado em Canelas
Decorreu no passado 20 de março a apresentação do livro de poesia “Antes que o amanhã se vista de fogo” da autora arouquense, natural de Canelas, Cátia Cardoso.
A apresentação teve lugar na sede da Junta de Freguesia de Canelas, sob organização conjunta do Município de Arouca e da União de Freguesias de Canelas e Espiunca. Esta é a terceira publicação e o segundo livro de poesia de Cátia Cardoso, que se estreou com “Poesia Silenciosa” com apenas 17 anos de idade.
Esta coletânea de poemas, segundo a autora, é o resultado de um processo de escrita que lhe é muito particular e natural, de si para si, apesar destes poemas, por esta via tornados públicos, terem escapado ao destino de tantos outros que a poetisa escreveu e que foram queimados, cumprida a função catártica, criativa e depuradora da escrita.
Organizada tematicamente em três secções, os poemas da Cátia abordam essencialmente o amor nas suas variadas manifestações: sobressaem os temas da paixão e da voluptuosidade, tornando-se clara a afirmação da sua condição de mulher poetisa que faz questão de não abdicar do direito à livre expressão poética da sensualidade e da sexualidade, livres de quaisquer tabus e preconceitos. Utiliza uma linguagem ousada, com metáforas carregadas de uma materialidade carnal e sensória que surpreende e que aproximará a sua enunciação poética, talvez, de uma conceção de poesia prenhe de erotismo literário, enquanto força motriz de satisfação, de prazer e de criação.
Mistura de forma corajosa a invenção poética e o simbolismo das palavras com o universo das referências reais e objetivas de uma realidade muitas vezes enclausurada dentro de quatro paredes, a pretexto de pudores…
Na minha opinião, será esta ambiguidade das palavras e esta estranheza da receção, que poderá chocar, e esta irreverência e ousadia que fazem da poesia da Cátia uma poesia inusitada, original, que se reinventa, se atualiza e nos obriga a questionar os lugares comuns da poesia e da literatura, um pouco em linha com o que fez Maria Teresa Horta que Cátia assume ser uma referência sua.
Apesar de usar uma linguagem sexualmente conotada, em “Antes que o amanhã se vista de fogo” deparamo-nos também com poemas simples, contextualizados, humorísticos até, como é exemplo a referência ao carteiro que erra sempre a entrega das cartas por ausência de toponímia em Canelas! Referências geográficas e geológicas são também encarnadas e personificadas nos poemas da Cátia onde, em jeito de autobiografia, a poetisa se assume “metade mulher, metade montanhas e aldeia de xisto. […] muito mais as serras e os campos do que carne e osso”, revelando o seu enorme amor à terra que a viu crescer e tornar mulher. A sua terra natal está, assim, impregnada na sua própria identidade e a autora será como uma árvore que se alimenta sempre das suas raízes, independentemente dos caminhos por que enverede caminhar…
Cátia Cardoso traz para os seus poemas algumas das suas vivências pessoais: as recordações da avó, o cheiro e sabor dos morangos à porta, o apanhar e descascar tangerinas, as bogas do rio… É notório o sentimento telúrico, nostálgico até, de uma infância perdida, ainda não muito distante, o que faz da autora simultaneamente uma menina mulher e uma mulher menina, características próprias de uma jovem autora. Sem pejo, proclama o orgulho que sente pela sua terra que é tão só a terra que guarda as maiores trilobites do mundo!
A apresentação desta obra foi, como se constata, uma excelente forma de comemorar o Dia Mundial da Poesia que, de uma forma descentralizada levou cultura, livro e leitura a públicos que talvez, de outra forma, não teriam acesso a ofertas culturais deste género.
Margarida Rodrigues