Relembrar a celebração do Carnaval tradicional espalhado pelo Concelho

Este ano, ainda muito sob a sombra da pandemia de Covid-19, os arouquenses voltaram a não ser presenteados pelo famoso desfile de Carnaval, nem com os característicos bailes, ainda assim, a festa fez-se sentir um pouco pelas ruas e localidades de Arouca, através de várias iniciativas e atividades, realizadas com a devida contenção. Desta forma, o DD aproveitou a celebração e o exemplificar das tradições, que desde sempre se realizaram em vários pontos do concelho, entre os dias 20 e 28 de fevereiro, para acompanhar e registar estas práticas que desde a antiguidade estão enraizadas no seio da nossa comunidade, e que devem ser relembradas e preservadas.

O nosso Jornal esteve em Souto Redondo, Urrô, na confeção do “Velho do Entrudo”, em Bouceguedim, para nos inteirarmos um pouco mais relativamente à tradição envolta nos famosos “Comadre e Compadre”, e, por fim, no Centro Social e Cultural de Fermêdo/Escariz e Mato, onde os seus utentes nos relembraram como era “jogar o Carnaval”, nos seus tempos de juventude.

“Ninguém sabia onde era feito o velho, isto porque, eram os homens que se juntavam durante a noite para o “montar”, e, no domingo magro, aquele que antecede o domingo (gordo) de Carnaval, era quando o “povo” acordava e já o via hasteado.”

Ou seja, era de sábado para domingo Magro que, quem fazia o velho, já o pendurava num poste, e bem visível para toda a gente ver, na Aldeia de Souto Redondo. O velho era feito maioritariamente de vime para fazer as estacas e elaborar as estruturas, arames para agarrar ao poste e palha, que era colocada dentro das roupas que os locais nos confirmaram que pertenciam “quase sempre a um defunto”. Posteriormente era cozido para que o conteúdo que estava no interior das roupas não saísse.

De relembrar que durante todas as atividades quer fosse o “fazer do velho”, ou mesmo nos cortejos, durante o dia, as mulheres nunca podiam participar, era sempre os homens, “não era porque elas não quisessem, era simplesmente por causa do machismo existente na altura”, que proibia as mulheres de participarem nestas atividades lúdicas. “Estas apenas podiam assistir. No entanto houve uma altura, passado alguns anos em que nós nos juntámos todas e vestimos umas “calças de homem”, e fomos dar uma volta ao lugar. Foi a primeira vez que o fizemos, tinha eu uns 25 anos.”, declarou a Dona Inês, habitante do lugar de Souto Redondo e que se encontrava no local do evento a participar na atividade, de “montagem do Velho”.

Esta experiência relatada pela Dona Inês, das mulheres de Souto Redondo, ocorreu antes do 25 de abril, “nós levamos sacos com “muinha” que é um pó que sai quando malhávamos o milho para atirar”, tudo isto era feito no maior sigilo, para não saberem que de mulheres se tratava, porque, aliás, uma das características do Carnaval tradicional, é conseguir fazer um disfarce de forma a que ninguém perceba quem está ali.

Apuramos de igual forma que Souto Redondo, principalmente nesta altura do Carnaval, sempre fez muito despique com o lugar vizinho de Póvoa Reguenga, “o nosso Carnaval sempre foi mais forte que o de lá, e eles sempre tiveram muita inveja, de maneiras que uma vez vieram cá roubar o nosso velho, e as pessoas ficaram muito chateadas. Após este ano, no “Testamento do Velho”, realizado nos encerramentos na terça feira de Carnaval, acabaram (os aldeões de Souto Redondo) por mandar uma “achega” aos habitantes da PR, em forma de quadra.

O Lugar da Póvoa é o lugar das Beatas

Vieram cá roubar o Pau da Bandeira

Para misturo para as papas

E várias eram as “achegas” que neste “Testamento do Velho” eram endereças às mais diversas entidades. Como nos fizeram saber, houve algumas bastante polémicas, uma deles que causou bastante polémica foi dirigida à Igreja, na época do Estado Novo.

Outra particularidade da confeção do “Velho” era fazer-se realçar o símbolo da virilidade, que quanto maior fosse maior era a fortaleza do lugar em termos simbólicos. Esta simbologia da virilidade do velho, também recaia sobre os homens de Souto Redondo, que, na altura, tinham a fama de serem “muito avantajados” (risos), tal como relataram os aldeões ao DD.

No entanto, além do “velho” existia a “velha”, e os restantes participantes carnavalescos tentavam roubar a velha ao seu par (velho), e o Carnaval em si resumia-se a isso. “No fim descobriam (no testamento) que afinal “o velho”, já falecido, tinha uma amante, e que havia deixado todos os bens para esta.  A seguir, a amante aparecia (mas não em boneco), apenas simbolicamente, e havia ali sempre confusões entre a mulher e a amante, e quem ficava com ditos bens. Seguidamente o cadáver do velho aparecia, e era então a altura em que queimavam o espantalho.”

“O Carnaval começava-se a jogar no dia de S. Brás, a 2 de fevereiro, dia em que era dia Santo de Guarda na Vila de Arouca. Nesse dia também havia a feira que era a Feira de S. Brás. E eu ia sempre porque adorava e adoro esta Festa”

 “Quando eu era pequena (12/13 anos) vinha um autocarro de Arouca buscar pessoas à Ponte de Telhe e voltava a trazê-las. As pessoas de Covêlo tinham, assim, de fazer duas horas de caminho para cada lado até ao autocarro para puderem ir à vila”, anunciou Maria da Conceição, habitante de Bouceguedim, que sempre participou nesta festividade e nas tradições envolvidas.

Maria da Conceição vive atualmente em Bouceguedim, todavia, nasceu em Covêlo de Paivó aldeia em que viveu até ter 18 anos, até se casar.

Era com o S. Brás que se começava a “jogar o Carnaval”, e “foi já com essa tenra idade e nessa altura quando ia a esta feira, que comecei a ter gosto em jogar o Carnaval com os mais velhos. Os rapazes compravam pós de arroz e atiravam às raparigas, molhavam-nas com bisnagas de água, atiravam “provilhos” (confetes) e serpentinas e as ruas ficavam repletas destes adereços coloridos.”

A partir do dia de S. Brás seguia o “jogo” até ao dia de Entrudo, pelo meio eram organizados bailaricos, e “os rapazes enfarruscavam as raparigas, e estas, se pudessem, também os molhavam. Quando chegava o dia de Carnaval, de manhã, era altura de trabalhar “nas terras, e as cozinheiras ficavam em casa a fazer o comer nesse dia. Havia quase por todas as casas fartura, e quase todas faziam um bom cozido, com bastante carne (orelheira de porco, pés fumeiro e galinha). Nas casas de quem era mais pobre só se comia galinha nesse dia. Nesse dia a sobremesa era sopa seca.”, informou MC.

Na aldeia era onde se realizava a “Queima dos compadres, embora no autocarro também jogássemos muito, ao ponto de nos eriçarmos uns nos outros, e era sempre raparigas contra rapazes.” Esta brincadeira começava em Arouca, e prolongava-se quando chegavam à aldeia, havendo ainda tempo para degustar figos e regueifa branca. Como já referimos, no fim de semana também era costume realizarem-se bailaricos, e a partir do dia de Carnaval (Quarta-Feira de cinzas “era silêncio total”. Inclusive a carne que sobrava do dia anterior não se podia comer ,porque já se entrava na Quaresma.

“A Comadre e o Compadre eram feitos antes do Carnaval, mas eram escondidos, eles só apareciam no dia de Entrudo. As mulheres faziam o Compadre e escondiam, e os homens vice-versa.”

Maria da Conceição relatou o ritual da Terça-Feira, “as mulheres saiam para passear com o compadre no ar, nas ruas da aldeia, e gritavam “Viva as comadres morram os compadres (bis), e os rapazes vice-versa”. O objeto era “os rapazes roubarem o compadre e nós a comadre e “tentávamos esse objetivo vezes sem conta, mais durante a tarde. 

Conceição, orgulhosa, confessou ao DD que, do que se lembra, as mulheres conseguiram muito mais vezes vencer, “este duelo”, ao grupo masculino resgatando a sua comadre. “Eu adoro este mês e tudo o que ele envolve. Quem me dera ainda durar mais uns anos para viver este mês mais vezes”.

Maria da Conceição já ganhou, inclusive, um prémio, na Ponte de Telhe, num concurso de Carnaval que esse lugar realizou, ao fazer sozinha dois exemplares de uma Comadre e de um Compadre tradicional.

Texto: Ana Castro

Fotos: Carlos Pinho

*para ler a Reportagem completa adquira a nossa edição impressa já nas bancas;

Pontos de Venda: Quiosque da Praça / Tabacaria Cachimbo / Sede em Arouca e Tabacaria Mil em Castelo de Paiva;

O montar do “Velho” em Souto Redondo;
Preparação momentos antes do “Velho” ser hasteado;
Maria da Conceição a dar o seu testemunho sobre o Carnaval Tradicional de Bouceguedim e Ponte de Telhe-Moldes;

sobre o autor
Ana Isabel Castro
Discurso Direto
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